A FEIJOADA

FARINHA POUCA, MEU PIRÃO PRIMEIRO


A União Operária, clube de mais de cem anos e que tradicionalmente abriga a “black-society” lagunense, passava por séria crise financeira. Se aproximava Santo Antonio quando o clube promove um baile tipo “de gala”, ansiosamente aguardado pela “raça”. O presidente era o Almiro Pacheco dos Reis, primo do meu pai. Almiro estava desesperado. Sem dinheiro em caixa, o clube precisando de uma pintura, mão-de-obra caríssima...Almiro teve uma idéia salvadora: convidaria os negrões que tinham prática com os pincéis para a tarefa de dar à "Ópera", como era chamada na intimidade, uma pintura nova e em troca lhes garantiria o ingresso ao baile com “copa livre”.
Proposta feita, proposta aceita. Almiro conseguiu juntar os melhores pintores de casas de Laguna. Tarefa quase chegando ao fim, estava ficando um brinco a velha, centenária e surrada Operária e Almiro se compadeceu com o pouco que havia oferecido aos caprichosos funcionários e prometeu que ao final dos trabalhos, lhes daria uma suculenta feijoada. Pintura acabada, Operária nos “trinques”, Almiro convidou a turma para saborearem a feijoada no domingo. Depois de uma rodada de caipirinha “para abrir o apetite”, começou o agradecido e emocionado presidente a servir. Negrões ansiosos e famintos a esfregarem com força, nervosamente, uma mão na outra, Almiro trouxe primeiro o tradicional feijão, suculento, basto e cheiroso.
Zé Luiz, que pegara uma “tijelinha” e ali fizera um caudaloso pirão, começou a pegar pedaços de charque, costelinha de porco, rabinho, toucinho e enterrar os nacos no pirão, escondendo-os e garantindo, para mais tarde, a sua parte, ainda mais que o Almiro adiantara que as carnes eram pouca. O Chimbica, que a tudo assistia, educadamente, perdeu a calma, colocou uma faca entre os dentes e “empunhando” ameaçadoramente um garfo, foi taxativo: PÁRA NEGÃO. SE TU PEGAR MAIS UM PEDAÇO DE CARNE E ENTERRAR NO PIRÃO, EU TE FURO A MÃO. Foi aí que todos perceberam a “esperteza” do Zé Luiz.