segunda-feira, 8 de novembro de 2010
COMUNIDADE QUILOMBOLA DE LAGUNA
Quilombos em Laguna. Comunidades negras resistem ao tempo e à miscigenação - (28/10/2010) Seu Otacílio Costa, 96 anos, descendente de escravos libertos, mora na região do Siqueiro Em três comunidades do município: Carreira, Barranca do Siqueiro e Ribeirão da Pescaria Brava, 25 quilômetros do centro do município, existe uma grande concentração da população negra, chegando a aproximadamente 90% de cada localidade.
As famílias negras concentram as maiores propriedades de terras, muitos ultrapassando 10 hectares. As áreas são originadas da compra de terras por escravos libertos, usucapião e do bom relacionamento com os primeiros habitantes, que chegaram aproximadamente no século XVII.
Mais de 100 famílias vivem da agricultura e da economia de subsistência.
O secretário adjunto da Secretaria Especial de Políticas e Promoção da Igualdade Racial (Seppir), João Carlos Nogueira, esteve visitando estas comunidades para conhecer a realidade do negro do Sul de Santa Catarina. Próximo passo é montar um Conselho Municipal da Igualdade Racial para promover o debate na sociedade, levar estas e outras histórias para contribuir com a conscientização.
Em Laguna os negros agricultores conquistaram ascensão social. Diferentes de outros intitulados negros urbanos, muitos, vitímas da miséria.
Seguindo esta análise, a professora de História Eugênia Heidemann, da Unisul, esteve em março deste ano, entrevistando os moradores e registrando suas conversas. Fatos e fotos que originaram artigos e uma exposição com o título “Pérolas Negras no Sul de Santa Catarina” .
Para a estudiosa, os negros conquistaram sua independência e sustentabilidade unidos. “Eles são exemplo de comunidade negra que deu certo. São conscientes do seu papel na sociedade e conseguiram se proteger de séculos de discriminação”, explica Heidemann.
Os negros, homens fortes, trabalhavam no embarque e desembarque de mercadorias dos navios do Porto de Laguna. Com o dinheiro, muitos compraram terras no interior. Outros negros vinham de regiões como Imbituba e Criciúma.
Depois do término da escravidão em 1888, ou até mesmo antes, famílias negras migraram para o distrito de Ribeirão da Pescaria Brava, para trabalhar no cultivo de mandioca, feijão e cana-de-açúcar.
O cartorário Enaldo Cardoso de Souza, há 40 anos no serviço de registro de imóvel daquela região, conta que as famílias negras têm posse das terras. “São donos das suas propriedades. Dividindo os hectares entre si para o plantio”.
É o membro mais velho da família, que autoriza ou não, o uso da terra.
Conforme os documentos do Cartório de Registro Civil de Pescaria Brava, a maioria dos negros que residem nas três comunidades compraram seu chão. Tataravós passando para bisnetos e assim sucessivamente. Poucos são aqueles que venderam suas terras.
Exemplo na comunidade de Carreira do Siqueiro, seu Pedro Clemêncio, teve 22 filhos, seus descendentes vivem na localidade até hoje.
O agricultor Artur Custódio Alves, 80 anos, foi um dos empreendedores da região. Adulto, foi trabalhar nas minas de carvão, juntou dinheiro e comprou terras, e reuniu com aquelas herdadas dos pais. Seus seis filhos serão os futuros proprietários. Dois deles ainda vivem no Siqueiro, outros foram embora.
Outra característica das comunidades negras no interior é o casamento entre primos, muito raro encontrar a união com outros grupos. Eles vivem em comunidades quase que fechadas, são todos parentes.
“Os mais velhos adoram contar histórias, mas não dos períodos do cativeiro. São raros aqueles que recontam as histórias dos avós”, lembra a professora de história, Eugênia.
A memória dos mais velhos é único registro que guardam.
Uma comissão foi formada para contribuir, divulgar e promover políticas públicas para a igualdade racial. O prefeito Célio Antônio disponibilizou a Casa Pinto Ulysséa, local histórico que contou com a mão de obra escrava, para servir de sede para um Centro de Referência da Cultura Negra.
Modelo de produtor rural
Até pouco tempo atrás, seu Artur Custódio, 80 anos, fazia o sabão, preparava o açúcar, desfiava algodão, misturava o colorau, fervia o melado, secava o café, cuidava do gado, arrumava a cerca, plantava hortaliças, cortava o carvão e colhia frutas.
Mercado e lojas eram raros. Ele cultivava aquilo que precisava e fabricava o necessário. Seu pequeno sítio chegou a ser modelo de agricultura familiar três anos consecutivos, na década de 80. Ganhou medalhas do Ministério da Agricultura. Não sabe ler, nem escrever.
A força nos braços e pernas já não são as mesmas. Os filhos casaram. Na residência com energia elétrica e televisão, que raramente é ligada, ele acompanha o tempo passar rodeado de verde, morros e da única estrada. O fogão a lenha convida para uma conversa sem pressa.
A companheira Amélia, sempre risonha, diz que a vida é “boa demais”.
O engenho de cana, construído em janeiro de 1953, roda pouco para fazer o melado e o açúcar.
“Hoje é tudo no mercado. Tempos atrás, quem sabia fazer era rico por aqui”, brinca seu Artur. O local histórico é o orgulho do senhor Custódio. Era ali, que distribuia mantimentos para os vizinhos. “Quem fazia mais, dividia. Deus sempre ajuda o pobre”, diz seu Custódio, mestre na sabedoria popular.
Único lamento que se ouve dele é não ter um telefone para poder conversar com os filhos e netos espalhados pela região.
Agulhas de ouro
Engenho deu lugar às máquinas de costura, chão batido ao cimento e a força animal a energia elétrica. Assim dez mulheres da comunidade negra de Carreira do Siqueiro montaram uma pequena fábrica de confecção, onde recebem peças de fábricas da região para costurar.
Maria Salete conta que elas não têm patrão. Tudo é dividido. Na semana passada entregaram a última remessa de peças de roupas. Agora aguardam novos pedidos.
“Queremos trabalhar”, conta. As mulheres trocaram a lavoura pelas máquinas de costura para incrementar a renda. Aos poucos querem crescer ainda mais e empregar cada vez mais mulheres da comunidade.
Saiba mais:
Quilombo - O artigo 68 da Constituição Federal de 1988 deu um novo significado ao termo quilombo, não mais atrelado ao conceito histórico de grupos formados por escravos fugitivos. Atualmente, o termo é usado para designar a situação dos segmentos negros em diferentes regiões e contextos do país, fazendo referência a terras que resultaram na compra por negros libertos.
Lei 10.639/03 - A lei determina a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e da África no currículo das escolas públicas e privadas do país. O ensino dessa temática, principalmente nas disciplinas de História, Português e Artes, deve contemplar o currículo, a formação dos professores, gestão escolar e cultura organizacional e o projeto político pedagógico das unidades escolares.
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